Viver...
É bom viver. Levantar de manhã bem cedo, abrir as janelas de nossas casas como quem abre as janelas da existência e, depois, com sol brilhando ou mesmo em tempo nublado, abrir as portas e partir para uma nova caminhada. E como faz bem à alma da gente quando, pelo caminho afora, encontramos as pessoas que amamos, aquelas que compartilham conosco suas experiências de vida, que se alegram e choram ao nosso lado. E que prazer, que privilégio, podermos, através do trabalho e do relacionamento, exercitar nossas potencialidades, produzir, participar e transformar o mundo em lugar melhor para se viver...
É bom viver e viver é mistério que fascina. Falando a respeito do fenômeno religioso que chamamos de viver, um estudioso, o grande Rudolf Otto, cunhou uma expressão que traduz bem o que queremos dizer: Misterium Tremendum et fascinans (mistério tremendo e fascinante). É o que a vida é. A vida é um pouco como o mar de Fernando Pessoa no célebre poema Mar Português: “Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas é nele que espelhou o céu”.
É tão tremendo o mistério, são tantos os abismos e perigos, mas tudo tão absolutamente fascinante como as estrelas espelhadas no mar de mais uma destas densas noites da existência, que ficamos a perguntar como perguntou e respondeu o grande sábio Agostinho: “Quem dos homens poderá dar a outro homem a inteligência deste mistério? Que anjo a outro anjo? Que anjo ao homem? A vós se peça, em vós se procure, à vossa porta se bata. Deste modo, sim, deste modo se há de receber e se há de encontrar e se há de abrir a porta do mistério”.
Não estou falando de compreensão racional, de fórmulas científicas e nem de lógica. Falo, sim, da fé como um sentimento real. Fé é sentimento que provoca em nós um tipo diferente de compreensão, que nos alcança na forma de consolo, na forma de uma quietude de espírito, como nas palavras de Davi, rei, guerreiro e poeta: “O Senhor é a minha luz e a minha salvação; de quem terei medo? O Senhor é a fortaleza da minha vida, de quem me recearei?” Para muitas pessoas, o fim do dia ou a chegada noite simboliza o medo, a solidão, a angústia. Nestas horas, pesam muito mais as razões do coração, a expressão do sentimento, a necessidade de fé. São aqueles momentos em que faz realmente sentido cantar diante de Deus uma prece, como Lutero cantou um dia:
“Castelo forte é nosso Deus
espada e bom escudo, com seu poder
defende os seus, de todo transe agudo”.
Por mais que o nosso coração esteja pesaroso, por mais obscuro que seja o momento que estejamos vivendo, por mais que o mundo esteja se convulsionando a nossa volta, podemos permanecer firmes e constantes, esperando no Senhor, sabendo que luz de Deus desfará as trevas que às vezes nos parecem tão assustadoras. Pela fé, aprendemos que o Cristo de Deus quebra as correntes que nos aprisionam nas celas escuras de nossas limitações pessoais e nos mostra que não existe uma noite sequer que não seja seguida por um novo amanhecer... Por tudo isto e, certamente, muito mais, é bom viver, é muito bom viver...